terça-feira, 7 de junho de 2011
REDAÇÃO

ARGUMENTAÇÃO

Normalmente, pensa-se que comunicar é simplesmente transmitir informações. A teoria da comunicação diz que, para haver um ato comunicativo, é preciso que seis fatores intervenham: o emissor (aquele que produz a mensagem), o receptor (aquele a quem a mensagem é transmitida), a mensagem (elemento material, por exemplo, um conjunto de sons, que veicula um conjunto de informações), o código (sistema linguístico, por exemplo, uma língua, ou seja, conjunto de regras que permite produzir uma mensagem), o canal (conjunto de meios sensoriais ou materiais pelos quais a mensagem é transmitida, por exemplo, o canal auditivo, o telefone, a “internet”) e o referente (situação a que a mensagem remete). No entanto, simplifica ela excessivamente o ato de comunicação, pois concebe o emissor e o receptor pura e simplesmente como pólos neutros que devem produzir, receber e compreender a mensagem.


As coisas são mais complicadas no ato comunicativo. Há uma diferença bem marcada entre comunicação recebida e comunicação assumida. Como comunicar é agir sobre o outro, quando se comunica não se visa somente a que o receptor receba e compreenda a mensagem, mas também a que a aceite, ou seja, a que creia nela e a que nela se propõe. Comunicar não é, pois, somente um fazer saber, mas também um fazer crer e um fazer fazer. A aceitação depende de uma série de fatores: emoções, sentimentos, valores, ideologia, visão de mundo, convicções políticas etc. A persuasão é então o ato de levar o outro a aceitar o que está sendo dito, pois só quando ele o fizer a comunicação será eficaz.

Em geral, pensa-se que argumentar é extrair conclusões lógicas de premissas colocadas anteriormente, como no silogismo, forma de raciocínio em que de duas proposições iniciais se extrai uma conclusão necessária:


TODO HOMEM É MORTAL.

PEDRO É HOMEM.

LOGO, PEDRO É MORTAL.


No entanto, podemos convencer uma pessoa de alguma coisa com raciocínios que não são logicamente demonstráveis, mas que são plausíveis. Quando a publicidade do Banco do Brasil diz que ele serve o cliente há mais de cem anos, o raciocínio implícito é que, se ele é tão antigo, deve prestar bons serviços. Essa conclusão que a publicidade encaminha não é necessariamente verdadeira, mas possivelmente correta. Por isso, argumenta-se não só com aquilo que é necessariamente certo, mas também com o que é possível, provável, plausível.

Argumento aqui será então usado em sentido lato. Observemos a origem do termo: vem do latim argumentum, que tem tema argu, cujo sentido primeiro é “fazer brilhar”, “iluminar”. É o mesmo

que tema que aparece nas palavras argênteo, argúcia, arguto etc. Pela sua origem, podemos dizer que argumento é tudo aquilo que faz brilhar, cintilar uma ideia. Assim, chamamos argumento a todo procedimento linguístico que visa persuadir, a fazer o que foi proposto.

Nesse sentido, todo texto é argumentativo, porque todos são, de certa maneira, persuasivos. Alguns se apresentam explicitamente como discursos persuasivos, como a publicidade, outros se colocam como discursos de busca e comunicação do conhecimento, como o científico. Aqueles usam mais a argumentação em sentido lato; estes estão mais comprometidos com raciocínios lógicos em sentido estrito. Seja a argumentação considerada em sentido mais amplo ou mais restrito, o que é certo é que, quando bem feita, dá consistência ao texto, produzindo sensação de realidade ou impressão de verdade. Achamos que o texto está falando de coisas reais ou verdadeiras.

São inúmeros os recursos linguísticos usados com a finalidade de convencer.


  1. ARGUMENTO DE AUTORIDADE


É a citação de autores renomados, autoridades num certo domínio do saber, numa área da atividade humana, para corroborar uma tese, um ponto de vista. O uso de citações, de um lado, cria a imagem de que o falante conhece bem o assunto que está discutindo, porque já leu o que sobre ele pensaram outros autores; de outro, torna os autores citados fiadores da veracidade de um dado ponto de vista. Observe a introdução de um texto de Ulisses Guimarães, em que invoca a autoridade da Bíblia, do padre Antônio Vieira, de provérbios e de Camões, para reprovar a falta de palavra do presidente Collor, que lhe prometera manter-se neutro na votação de emenda constitucional que estabelecia o sistema parlamentarista e, na surdina, trabalhou pela sua rejeição:

FIO DO BIGODE


Para nossos avós, o fio do bigode garantia a palavra empenhada. Não precisava de tabelião, firma reconhecida e testemunhas. Depilou, negócio fechado.

Os bigodes rarearam, a palavra não.

A Terra é filha da palavra, reza o Gênesis. O Evangelho segundo São João recorda: “No princípio era o Verbo, e o Verbo esta com Deus e o Verbo era Deus”.

Padre Vieira tem na agulha bala certeira: “Palavras sem obras são tiro sem bala: atroam mas não ferem. A funda de Davi derrubou o gigante, mas não derrubou com o estalo, senão com a pedra”.

Para os súditos confiantes “palavra de rei não volta atrás”. O adágio prevalece para os presidentes da República, que são os reis de plantão durante os respectivos mandatos. O fraco rei faz fraca a forte gente. Secularmente adverte Camões. [...]

Presidente Collor: esse negócio de palavra é fogo. Com fogo não se brinca, principalmente chefe de governo.

Folha de S. Paulo, 18 nov. 1991, p. 1-3.


Se for verdade que o argumento de autoridade tem força, é preciso levar em conta que tem efeito contrário a utilização de citações descosturadas, sem relação com o tema, erradas, feitas pela metade, mal compreendidas.


  1. ARGUMENTO BASEADO NO CONSENSO


As matemáticas trabalham com axiomas, que são proposições evidentes por si mesmas e, portanto, indemonstráveis: todo é maior do que a parte; duas quantidades iguais a uma terceira são iguais entre si etc. Outras ciências trabalham também com máximas e proposições aceitas como verdadeiras, numa certa época, e que, portanto, prescindem de demonstração, a menos que o objetivo de um texto seja demonstrá-las. Podem-se usar, pois, essas proposições evidentes por si ou universalmente aceitas, para efeitos de argumentação. Por exemplo:

A educação é a base do desenvolvimento.


Os investimentos em pesquisa são indispensáveis, para que um país supere sua condição de dependência.

Não se deve, no entanto, confundir argumento baseado no consenso com lugares-comuns carentes de base científica, de validade discutível. É preciso muito cuidado para distinguir o que é uma ideia que não mais necessita de demonstração e a enunciação de preconceitos do tipo: o brasileiro é indolente, a Aids é um castigo de Deus, só o amor constrói.


  1. ARGUMENTOS BASEADOS EM PROVAS CONCRETAS


As opiniões pessoais expressam apreciações, pontos de vista, julgamentos, que exprimem aprovação ou desaprovação. No entanto, elas terão pouco valor se não vierem apoiadas em fatos. É muito frequente em campanhas políticas fazerem-se acusações genéricas contra candidatos: incompetente, corrupto, ladrão etc. O argumento terá muito mais peso se a opinião estiver embasada em fatos comprobatórios. Se dissermos A administração Fleury foi ruinosa para o Estado de São Paulo, um partidário do ex-governador poderá responder simplesmente que não foi. No entanto, se dissermos A administração Fleury foi ruinosa para o Estado de São Paulo, porque deixou dívidas, junto ao Banespa, de 8,5 bilhões de dólares, porque deixou de pagar os fornecedores, porque acumulou dívidas de bilhões de dólares, porque inchou a folha de pagamento do Estado com nomeações de afilhados políticos, porque desestruturou a administração pública etc., o partidário do ex-governador, para argumentar, terá que responder a todos esses fatos.

Os dados apresentados devem ser pertinentes, suficientes, adequados, fidedignos. Por exemplo, se alguém disser que um determinado candidato não é competente administrativamente porque não sabe português, estará fazendo um raciocínio falacioso, porque o fato de saber português não é pertinente para a conclusão de que alguém seja competente para administrar, uma vez que não há implicação necessária entre o conhecimento linguístico de alguém e a qualidade de bom administrador. Por outro lado, se alguém diz que todo político é ladrão, porque a imprensa divulgou que dezenas de deputados fizeram emendas ao orçamento para tirar proveito pessoal, os dados são insuficientes para fazer generalização, pois do fato de alguns (ou muitos) terem sido apontados como desonestos não decorre necessariamente que todos o sejam. Aliás, é preciso tomar muito cuidado com esses argumentos que fazem apelo a uma totalidade indeterminada, pois basta um único caso em contrário, para derrubá-los. Se alguém diz Nenhum europeu toma banho todos os dias, basta que se cite um que o faça, para que o argumento deixe de ter validade. No geral, essas generalizações feitas com base em dados insuficientes revelam apenas nossos tabus e preconceitos. Se um determinado candidato diz que seu adversário é racista, porque, quando era diretor de uma certa companhia, não permitia que se contratassem funcionários negros, essa afirmação, a menos que venha acompanhada de provas, será considerada não-fidedigna, pois quem a veicula tem interesse em desmoralizar a pessoa que está sendo acusada. Se o prefeito de São Paulo diz que é preciso investir em pontes, viadutos, túneis e alargamento de ruas e avenidas, para melhorar o transporte coletivo, um vez que, se o fluxo do tráfego aumentar, crescerá também a velocidade dos ônibus, seu argumento é fraco. Veja que se pode rebatê-lo, dizendo que nele não se relacionam dados adequados, visto que a melhoria da velocidade do transporte coletivo se faria, na verdade, com um custo mais baixo, implantando-se corredores exclusivos de ônibus e restringindo-se a circulação do transporte individual.

Não se podem fazer generalizações sem apoio em dados consistentes, fidedignos, suficientes, adequados, pertinentes. As provas concretas podem ser cifras e estatísticas, dados históricos, fatos da experiência cotidiana etc. Esse tipo de argumento, quando bem feito, cria a sensação de que o texto trata de coisas verdadeiras e não apresenta opiniões gratuitas. Veja este texto, em que se acusa a Central Brasileira de Medicamentos de realizar compras com preços superfaturados e se comprova o superfaturamento com publicações do Diário Oficial e com notas de empenho assinadas pelo presidente do órgão:


É o que acaba de fazer, com dinheiro da Central de Medicamentos, Antônio Carlos dos Santos, presidente dessa estatal apanhado em flagrante de compras irregulares com custo bilionário.

O leitor que me desculpe, mas se trata, ainda, da compra de 1.600 litros de inseticida por Cr$ 2.169.115.200,00, ao preço, portanto, de Cr$ 1.355.697,00 por litro. Notícia cuja veracidade está comprovada no Diário Oficial de 19 de abril e na “nota de empenho” com que o presidente da Ceme liberou a verba.

Jânio de Freitas, Folha de S. Paulo, 14 de maio 1991, p. 1-5.

Afirmações generalizantes exigem dados ou fatos que lhes sirvam de suporte. Por outro lado, não se podem fazer generalizações indevidas. Um tipo de generalização indevida é tomar o que é acidental, ou seja, acessório, ocasional, como se fosse essencial, isto é, inerente, necessário. Mostrar um erro médico (ou vários) e concluir que todos os médicos são charlatães é generalizar indevidamente, porque o erro por descuido, negligência ou imperícia não é inerente à profissão médica. Também não o é a corrupção à atividade política etc. A maioria das sentenças judiciosas do senso comum são generalizações indevidas. Usar argumentos desse tipo (por exemplo, político não presta, brasileiro não sabe votar, pobre não gosta de trabalhar, engenheiro é bitolado, artista vive num outro mundo, jornal só conta mentira, funcionário público não trabalha, roqueiros são todos drogados) revela um autor acrítico, preso a lugares-comuns, imerso num universo conceitual muito pobre.

No caso de argumentos por provas concretas, podem-se muitas vezes usar casos singulares para comprovar verdades gerais. Tem-se argumentação por ilustração, quando se enuncia um fato geral e, em seguida, narra-se um caso concreto e daí se extrai uma conclusão geral. Temos primeiro caso, quando se diz que, no Brasil, há políticos que se valem de fraude para eleger-se e, em seguida, conta-se o caso de um esquema montado por um candidato a deputado para alterar os mapas eleitorais durante as apurações. Nesse caso, o que não se pode é dar à afirmação geral um alcance que a ilustração não permite. Por exemplo, se tivéssemos dito que todos os deputados se valem de fraude para eleger-se, a ilustração com um único caso não serviria para comprovar o alcance da proposição geral.

Temos argumentação pelo exemplo, quando partimos de casos de fraude contra a previdência social, para chegar à afirmação de que o sistema previdenciário brasileiro está sujeito a esse tipo de ilícito e, por isso, precisa passar por profundas reformulações saneadoras. Nesse tipo de argumentação, é preciso cuidado para não chegar a generalizações indevidas, a conclusões que nada têm a ver com os fatos relatados, a conclusões que são contrárias aos fatos relatados. Vamos dar apenas um exemplo. Um narrador conta que foi a uma festa, onde não conseguiu conversar com ninguém, não se divertiu, ficou sozinho e, em seguida, diz que é muito bom ir a festas, pois novos relacionamentos sempre nos enriquecem.


  1. ARGUMENTOS COM BASE NO RACIOCÍNIO LÓGICO


Embora no item anterior já tenhamos tratado disso, ao dizer que não se podem tirar conclusões incompatíveis com os dados apresentados, ilustrar afirmações gerais com dados inadequados etc., o que achamos aqui argumentos com base em raciocínio lógico diz respeito às próprias relações entre proposições e não à adequação entre proposições e provas. Vejamos um exemplo. Num artigo intitulado “Todo poder aos professores”, Otávio Frias Filho discute a filosofia pedagógica de estímulo à criatividade, que se implantou em nossas escolas a partir da década de 60. Depois de analisar o lado positivo dessa proposta, desvela o seu lado perverso. Num certo ponto do artigo, mostra a comodidade de organizar um curso com base em seminários, a dificuldade de reverter esse processo, a necessidade de rever grande parte das mudanças do ensino nestes trinta anos. Dá depois de cada uma dessas proposições as razões que motivam sua afirmação. A argumentação baseia-se nas relações de causa e consequência.


Além de ser mais chique, do ponto de vista ideológico, o seminário é mais cômodo para ambos os lados: nem o professor prepara a aula, nem o aluno estuda, e ambos entram com sua cota de “participação crítica”.

O mais grave é que onde esse processo se instalou não há como revertê-lo, pois as facilidades se transformam em direito adquirido. [...]

Já que o mundo passa por uma histeria de volta ao passado, ao menos em relação ao que parecia “futuro” nos anos 60, talvez fizéssemos bem em rever grande parte das mudanças do ensino nestes 30 anos.

Porque os resultados, mesmo nas boas escolas, não parecem encorajadores. A ideologia do ensino crítico está produzindo gerações de tontos. A lassidão, o vale-tudo, a falta de autoridade professoral desestimula a própria rebeldia do estudante.

Folha de S. Paulo, 17 nov. 1994, p. 1-2.

Um dos defeitos na argumentação com base no raciocínio lógico é fugir do tema. Esse expediente é muito usado por políticos, para evitar questões embaraçosas, ou advogados, quando não têm como refutar as acusações imputadas a seu cliente. Um prefeito da capital paulista a quem perguntaram por que em seu governo, uma determinada obra pública estava custando tão caro, respondeu que ela seria importante para a cidade, porque eliminaria as enchentes numa dada região. Um homem matou sua mulher por ciúmes, como ficara comprovado. Seu advogado, para comover os jurados, começa a dizer que o acusado era um homem trabalhador, um cidadão exemplar, um pai dedicado, uma pessoa sempre disposta a ajudar os amigos. Cabe lembrar enfaticamente que esse procedimento é um defeito de argumentação apenas do ponto de vista lógico. Da perspectiva da persuasão em sentido amplo, pode ser eficaz, pois pode convencer os ouvintes, levando-os a relacionar aquilo que não tem relação necessária.

Outro problema é a tautologia (erro lógico que consiste em aparentemente demonstrar uma tese, repetindo-a com palavras diferentes), que ocorre quando se dá como causa de um fato, o próprio fato exposto em outras palavras. Apresenta-se, nesse caso, a própria afirmação como causa dela mesma, toma-se como demonstrado o que é preciso demonstrar. Por exemplo: o fumo faz mal à saúde porque prejudica o organismo (prejudicar o organismo é exatamente fazer mal à saúde); essa criança é mal-educada porque os pais não lhe deram educação.

Outro problema é tomar como causa, explicação, razão de ser de um fato o que, na verdade, não é causa dele. Uma causa é alguma coisa que ocasiona outra. Por isso é preciso que haja uma relação necessária entre ela e seu efeito. Frequentemente, usa-se como causa de um fato algo que veio antes. Ora, o que vem depois não é necessariamente efeito do que aconteceu antes. Quando se passa debaixo de uma escada e, depois, se cai e se quebra uma perna, não se pode concluir que passar debaixo da escada é causa do acidente. As superstições baseiam-se nessa falsa causalidade.

Nada é pior para convencer do que um texto sem coerência lógica, que diz e desdiz-se, que apresenta afirmações que não se implicam umas às outras, que está eivado de contradições.


  1. ARGUMENTO DA COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA


Em muitas situações de comunicação (discurso político, religioso, pedagógico etc.) deve-se usar a variante culta da língua. O modo de dizer dá confiabilidade ao que se diz. Utilizar também um vocabulário adequado à situação de interlocução dá credibilidade às informações veiculadas. Se um médico não se vale de termos científicos ao fazer uma exposição sobre suas experiências, desconfiamos da validade delas. Se um professor não é capaz de usar a norma culta, achamos que ele não conhece sua disciplina. Além disso, contribui para persuadir a utilização de diferentes mecanismos linguísticos.

Hélio Schwartsman, em um artigo intitulado “FHC, o filme”, publicado na Folha de S. Paulo de 10/01/1995, p. 1-2, quer convencer o leitor de que foi um equívoco do presidente Fernando Henrique Cardoso ter sancionado a lei de biossegurança, porque ela “consegue, a um só tempo, proibir no Brasil a principal aplicação da terapia genética (...), dificultar a vida dos casais que desejam um bebê da proveta (...) e não criar nenhum mecanismo efetivo contra abusos no campo da engenharia genética”. Observe, no trecho que vem a seguir, o valor argumentativo do uso, em latim, de uma expressão vulgar em português:


Não sou biólogo e tenho que puxar pela memória dos tempos de colegial para recordar a diferença entre uma mitocôndria e uma espermatogônia. Ainda lembro bastante para qualificar a canetada de FHC de “defecatio máxima” (este espaço é nobre demais para que nele se escrevam palavras de baixo calão, como em latim tudo é elevado...).


ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS


Conforme estudamos, seis fatores intervêm no processo de comunicação (emissor, receptor, mensagem, código, canal e referente). Temos diferentes estratégias persuasivas, que se assentam sobre um ou mais de m desses fatores.

Uma estratégia persuasiva baseada no emissor é aquela que o credencia para um dado tipo de comunicação. No discurso eleitoral, os emissores apresentam-se como dotados de experiência administrativa ou parlamentar. Nessa estratégia discursiva, citam-se realizações, cria-se uma imagem

avorável. Dizer, por exemplo, num debate, esse é “um assunto que conheço bem, que já estudei profundamente” é identificar-se como voz autorizada a falar. No discurso suplicatório, quando se pede uma esmola, por exemplo, alguém se apresenta como digno de ajuda, contando fatos da vida pessoal, desgraças, dificuldades. Com isso, não está exibindo defeitos, mas colocando-se como vítima do destino.

A estratégia baseada no receptor é aquela que cria imagens favoráveis daquele a quem se deseja persuadir. O Banespa criou há alguns anos uma publicidade do cheque especial, em que mostrava pessoas cometendo toda sorte de grosserias e, depois, o apresentador comentava que elas não tinham cheque especial Banespa. Com isso, o que se queria era criar uma imagem favorável do usuário do cheque especial: você é bem-educado, fino etc. O discurso publicitário faz largo uso dessa estratégia.

A estratégia baseada no referente é aquela que cita provas concretas, dados da situação, estatísticas, experimentos, dados da realidade, conhecimento do mundo. É a estratégia básica, por exemplo, dos editoriais de jornais. No entanto, mesmo alguns discursos publicitários se valem dela. A Vila Romana publicou em 1992 um anúncio que dizia: “25 de dezembro com preço de março”. Para entender essa publicidade, é preciso conhecer um dado do comércio de São Paulo: a 25 de março é uma rua onde está um comércio popular, de baixos preços.

A estratégia baseada no código é aquela que busca explorar as oposições linguísticas, os significados antigos das palavras, as virtualidades da língua. Veja este anúncio publicitário: “Finalmente uma revista semanal que trata a mulher como dona da casa e não de casa. Dia 26 nas bancas” (Folha de S. Paulo, 17 abr. 1992). Toda força argumentativa desse anúncio está na oposição entre dona de casa e dona da casa. Dona de casa significa “mulher que dirige o lar”, dona da casa é “proprietária da casa”. A presença/ausência de artigo definido para distinguir significados é um mecanismo do português. Aparece, por exemplo, em “Rua de ouro” e “Rua do Ouro”.

A estratégia baseada no canal é aquela que valoriza o veículo transmissor. É frequente no discurso do senso comum dar como prova da veracidade de um fato o seguinte argumento: “Deu na televisão...” Observe como no texto abaixo a estratégia argumentativa se baseia na autoridade de meios de comunicação e personalidades de prestígio:


Mas Tom Jobim era também unanimidade universal, digno da reverência de músicos norte-americanos, ingleses, franceses, italianos, de jornais como o N. Y. Times, o Corriere della Sera, da Itália ou de especialistas em jazz nos EUA e Europa.

Jornal da Tarde, 9 dez., 1994, p. 8-A


Certas estratégias argumentativas baseiam-se em mais de um fator. Um deles, no entanto, é dominante.

Para tornar o texto convincente, pouco adiantam manifestações de sinceridade do autor ou declarações de certeza expressas por construções com “tenho certeza”, “estou seguro”, “creio sinceramente”, “afirmo com convicção”, “é claro”, “é óbvio”, “é evidente”. Num texto, não se promete sinceridade e convicção. Constrói-se o texto de forma que ele pareça sincero e verdadeiro. A argumentação é exatamente a exploração de recursos com vista a fazer o texto parecer verdadeiro, para levar o leitor a crer.



TEXTO COMENTADO


O texto que vem a seguir faz parte do célebre “Sermão da Sexagésima, em que Vieira, a partir da parábola do semeador (Mateus, XIII, 4-23), em que Cristo compara a pregação à semeadura, elabora uma teoria do ato de pregar:


O sermão há de ter um só assunto e uma só matéria. Por isso Cristo disse que o lavrador do Evangelho não semeara muitos gêneros de sementes, senão uma só: Exit, qui seminat, seminare semen1. Semeou uma só semente, e não muitas, por que o sermão há de ter uma só matéria, e não muitas matérias. Se o lavrador semeara primeiro o trigo, e sobre o trigo semeara centeio, e sobre o

1 Saiu quem semeia a semear a semente.

centeio semeara milho grosso e miúdo, e sobre o milho semeara cevada, que havia de nascer? Uma mata brava, uma confusão verde. Es aqui o que acontece aos sermões deste gênero. Como semeiam misturas, mal pode colher trigo. Se uma nau fizesse um bordo para o norte, outro para o sul, outro para o leste, outro para o oeste, como poderia ser a viagem? Por isso nos púlpitos se trabalha tanto, e se navega tão pouco. Um assunto vai para um vento, outro assunto vai para outro vento, que se há de colher senão vento? O Batista convertia muitos em Judeia, mas quantas matérias tomava? Uma só matéria: Parate viam Domini1; a preparação para o reino de Cristo. Jonas converteu os Ninivitas, mas quantos assuntos tomou? Um só assunto: Adhuc quadraginta dies, ei Ninive subvertur2: a subversão da cidade. De maneira que Jonas em quarenta dias pregou um só assunto, e nós queremos pregar quarenta assuntos em uma hora? Por isso não pregamos nenhum. O sermão há de ser de uma só cor, há de ter um só objeto, um só assunto, uma só matéria.

Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga, há de prová-la com a Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirma-la com o exemplo, há de amplifica-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar, há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários, e depois disto há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar, e o que não é isto, é falar de mais alto. Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses hão de nascer todos da mesma matéria, e continuar e acabar nela. Quereis ver tudo isto com os olhos?

Ora vede. Uma árvore tem raízes, tem troncos, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim, há de ser o sermão: há de ter raízes fortes e sólidas, porque há de ser fundado no Evangelho; há de ter um tronco, porque há de ter um só assunto e tratar uma só matéria. Deste tronco hão de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria, e continuados nela. Estes ramos não hão de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão de ser vestidos e ornados de palavras. Há de ter esta árvore varas, que são a repreensão dos vícios, há de ter flores, que são as sentenças, por remate de tudo há de ter frutos, que é o fruto e o fim a que há de ordenar o sermão. De maneira que há de haver frutos, há de haver flores, há de haver varas, há de haver folhas, há de haver ramos, mas tudo nascido e fundado em um só tronco, que é uma só matéria. Se tudo são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é sermão, são maravilhas. Se tudo são folhas, não é sermão são verças. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são flores, não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos não pode ser; porque não há frutos sem árvores. Assim que nesta árvore, a que podemos chamar árvore da vida, há de haver o proveitoso do fruto, o formoso das flores, o rigoroso das varas, o vestido das folhas, o entendido dos ramos, mas tudo isto nascido e formado de um só tronco, e esse não levantado no ar, senão fundado nas raízes do Evangelho: Seminare sêmen.

Ant6onio Vieira, Sermões, Porto , Lello, 1959, v. 1, p. 20-23.


Nesse sermão, Vieira pretende ensinar como fazer que uma prédica seja eficiente, ou seja, que atinja o objetivo pretendido, que é persuadir os homens, leva-los a crer na palavra de Deus e a fazer uma mudança em suas vidas. Nele está, pois desenvolvida uma teoria da persuasão a serviço da eloquência sagrada. Vieira analisa as causas de ineficiência dos sermões e mostra como se deve fazer uma boa pregação. Segundo ele, as razões do sucesso ou do insucesso de uma prédica podem estar ligadas a cinco circunstâncias: a pessoa do pregador, sua ciência, a matéria de que trata, o estilo que segue, a voz com que fala. O trecho que escolhemos é o que trata da matéria.

A proposição de Vieira é que, para que um sermão obtenha êxito, é preciso que trate de um só assunto, caso contrário, os ouvintes não poderão entendê-lo dada a confusão que se cria. Vejamos como procura Vieira persuadir o leitor a acreditar em sua tese.

Depois de declará-la, apresenta um primeiro argumento, que é de autoridade. No discurso religioso, nada é mais forte como argumento de autoridade do que a palavra de Deus, expressa no livro sagrado. Toma um trecho do Evangelho, Exit, qui seminat, seminare sêmen, mostra que o próprio Cisto disse que o semeador semeou um só tipo de semente, o que significa que deve ter o sermão uma só matéria. Em seguida amplia o raciocínio por contraste, mostrando que, se alguém semeasse trigo, centeio, milho e cevada no mesmo campo, não teria uma cultura, mas uma mata confusa, e que a mesma coisa acontece nas pregações que tratam de tudo. A seguir, estabelece uma outra analogia,

1 Preparai o caminho do Senhor.

2 Daqui a quarenta dias, Ninive será destruída.


entre a prédica que trata de todas as matérias e navio que vai para todas as direções, para mostrar que esse tipo de sermão é como uma nau sem rumo e, portanto, não pode fazer nenhuma viagem. Em seguida, aduz duas ilustrações de pregação eficiente, para comprovar a afirmação feita: tanto João Batista quanto Jonas pregaram um só assunto. O primeiro falava sobre a preparação para a vinda de Cristo (Parate viam Domini); o segundo, sobre a destruição de Ninive por causa de seus pecados (Adhuc quadaginta dies, ei Ninive subvertur). Observe que essas duas ilustrações são também argumentos de autoridade, porque são casos particulares retirados das Escrituras. Depois dessa série de recursos argumentativos, Vieira conclui como começara, dizendo que a prédica há de ter um só assunto, um só objeto, uma só matéria.

No segundo parágrafo, Vieira explica como montar um sermão. Na introdução, o pregador enuncia o assunto, define-o e expõe as partes que o compõem. No desenvolvimento, deve usar os seguintes recursos argumentativos: o argumento de autoridade (há de prova-lo com a Escritura), o raciocínio baseado em relações lógicas (há de declará-la com a razão; há de amplifica-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar), o exemplo e a ilustração (há de confirma-la com o exemplo). Além disso, em sua argumentação, deve o pregador antecipar as dúvidas e responde-las, apontar e discutir as dificuldades para comprovar uma tese e não escamoteá-las, imaginar os argumentos contrários e refutá-los. Na conclusão, há de retomar o que foi dito (há de colher), resumir (há de apertar) e, enfim, concluir. Discute em seguida a questão da variedade, mostrando que o que é variado, num sermão, são as diversas abordagens do mesmo assunto (variedade de discurso) e não os assuntos.

No terceiro parágrafo, para comprovar essa ideia, argumenta por analogia, comparando a prédica a uma árvore. Só existe árvore se houver raiz, tronco, ramos, folhas, varas, flores e frutos. Também só existe sermão se houver raiz, tronco, ramos, folhas, varas, flores e frutos. Também só existe sermão se partir de um texto dos Evangelhos (raiz), se tratar de uma só matéria (tronco), se abordar modos de abordagem forem veiculados por palavras (folhas), se servir para ver gastar os vícios (varas), se for ornado de uma boa organização discursiva (flores), se conseguir atingir uma finalidade (fruto). Se não tiver tudo isso, não é sermão, assim como se uma árvore não tiver todos os componentes enunciados não é árvore. O que comanda todos os elementos da prédica é a unidade do assunto, fundado nos Evangelhos, assim com o que sustenta os componentes da árvore é o tronco, assentado nas raízes. Em seguida, Vieira vai enfatizar essa analogia entre o sermão e a árvore, com um paralelismo sintático, que associa uma à outra: oração condicional referente a um conjunto de partes da árvore + oração negativa que afirma que esse conjunto não é sermão + oração positiva que diz o que é esse conjunto:


Se tudo são

não é

é (são)

Troncos

Ramos


Folhas



Varas


flores




Sermão

Madeira

Maravilhas (= lascas, gravetos)


Verças (= amontoado de folhas preparadas

Para a mesa)


Feixe


ramalhete


Mostra ainda que frutos não podem existir sem árvores. Conclui essa analogia mostrando as qualidades que deve ter a prédica: o proveito do fruto, a beleza das flores, o rigor das varas, o revestimento das folhas, a extensão dos ramos, mas tudo nascido de um só tronco e este fundado nas raízes do Evangelho. Termina com uma citação da parábola do semeador, que serve, no Sermão da Sexagésima, para usar a metáfora de Vieira, de raiz para o tronco (como se faz uma boa pregação): Seminare sêmen (= semear a semente).



Referência bibliográfica

FIORIN, José Luiz & SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação. Ática, São Paulo, 1998. p. 281-297.


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